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Mora nos Clássicos

Arrematado por R$ 14 mi, Mustang de 'Bullitt' é o mais caro da história

Rodrigo Mora

10/01/2020 19h16

(SÃO PAULO) – Um dos dois Mustangs dirigidos por Steve McQueen em Bullitt foi arrematado hoje, em leilão da Mecum Auctions, por US$ 3,4 milhões (algo em torno de R$ 13,9 milhões). Embora tomado pelos temperos característicos do passar das décadas – pintura descascada, rodas puídas, pneus carecas e bancos rasgados – e jamais restaurado, o icônico Ford bateu o recorde de um Shelby GT500 Super Snake, coroando-se o Mustang mais caro leiloado.

Ford Mustang "hero car"de Bullitt é arrematado por US$ (Imagem: Mecum/divulgação)

Bullitt, de 1968, narra uma história bem comum no cinema norte-americano: policial durão/bonitão tem a missão de proteger testemunha caçada por organização criminosa, que precisa silenciá-la. Além de um suspense muito bem executado, o que diferenciou Bullitt de outras obras similares e o imortalizou foram dois símbolos da masculinidade daquela década: Steve McQueen, que interpreta o protagonista Frank Bullitt, e o Ford Mustang Fastback.

Um Mustang ficou com o trabalho duro: saltar, trombar com o inimigo (um Dodge Charger R/T), fritar pneus…É o que o cinema chama de "stunt car". Que hoje está sendo restaurado, até onde se sabe. O outro, mantido intacto para as demais cenas, assumiu o papel de "hero car".

E foi o "hero car" que, em outubro de 1974 – após ter pertencido a um produtor da Warner Bros. (distribuidora do filme) e a um detetive (vejam que ironia) –, encontrou a garagem de Robert Kiernan, um simples cidadão de Nova Jersey que desembolsou meros US$ 6 mil pelo Mustang que Steve McQueen havia dirigido no filme. O próprio ator, tempos depois, tentou comprar seu antigo parceiro, mas Kiernan recusou.

"Como McQueen considerou o carro em si um personagem, não apenas mais um acessório, ele mesmo se dedicou à aparência do carro, removendo os emblemas e as luzes de segurança e adicionando as rodas 'Torq Thrust' para fazer o carro parecer mais malvado", detalha a Mecum.

(Imagem: Mecum/divulgação)

O alto consumo de combustível e uma embreagem quebrada forçaram a aposentadoria do Mustang, em 1980 – coincidentemente, mesmo ano da morte de McQueen. A família Kiernan se mudou para Cincinnati em 1984, enquanto o famoso carro foi parar na fazenda de um amigo, em Nashville. Por lá o cupê pintado na cor Dark Highland Green ficou guardado até 2014, quando Robert morreu. Seu filho Sean, então, decidiu ressuscitar o veículo, mantendo as marcas do tempo, sem restaurações.

Durante o Salão de Detroit de 2018, a Ford revelou um Mustang Bullitt novo ao lado do original. Coube à neta de McQueen, Molly, apresentar o carro. Foi quando a história do Mustang dos Kiernan ficou famosa.

Mustang de "Bullitt" reapareceu durante Salão de Detroit de 2018 (Foto: Murilo Góes/UOL)

"Existem poucos carros que atingiram um nível verdadeiramente impressionante de raridade e colecionabilidade. O Mustang Bullitt é um carro que se estende muito além de ser apenas mais um automóvel colecionável de alto nível. É um carro que antes se pensava perdido com a passagem do tempo e, com seu ressurgimento, seu significado cultural incomparável o solidificou como uma autêntica obra de arte da cultura pop e como um inegável remanescente de um momento incrível na história do cinema e do automóvel", reflete a casa de leilão.

(Imagem: Mecum/divulgação)

MIDAS

O Mustang de Bullitt não é o único carro acoplado à imagem de McQueen que supervalorizou.

Em agosto de 2011, o Porsche 911S que aparece nas primeiras cenas de Le Mans (1971) foi arrematado por US$ 1.375.000, em leilão da RM Sotheby's (VINTE vezes mais do que valia o modelo à época). Depois do filme, o esportivo foi direto para a coleção do ator, que já tinha um quase igual, só que 1969, um ano mais velho. Para não ficar com dois Porsches semelhantes, vendeu o do filme, que após passar por alguns proprietários, chegou às mãos da casa de leilões.

Do mesmo filme saiu o Porsche 917K que a Gooding & Company vendeu em 2017 por US$ 14 milhões. Assim como o Mustang hoje leiloado, sequer foi de McQueen.

Ainda teve uma Ferrari 275 GTB/4 1967 arrematada US$ 10,1 milhões (em agosto de 2014) e um Willys Jeep MB 1945, comprado pelo ator direto das forças armadas ianques e mantido até sua morte, em 7 de novembro de 1980. Em novembro de 2018, um colecionador arrematou o jipe por £ 84.375. 

Sem falar no macacão usado pelo ator em Le Mans, vendido por US$ 984.000 em 2011, e uma centena de itens do universo automotivo que um dia foram dele. Parece que tudo o que fora tocado, usado ou pertencido a Steve McQueen ganha áurea sobrenatural. 

É como se, ao obter um carro, um relógio ou qualquer item relacionado ao astro, o novo dono tomasse um elixir que o levasse a dirigir como McQueen, andar como McQueen, falar como McQueen, seduzir como McQueen, ser rebelde como McQueen.

E o que parece validar essa fantasia é o fato de McQueen ser, de fato, um rebelde na vida real. Na infância, foi abandonado pelo pai, criado pelos avós e apanhou dos padrastos. Passou por um reformatório e integrou a marinha norte-americana, mas sua insubordinação orgânica era incompatível com o rigor militar. Depois virou ator, do tipo que recusa papéis com cachês milionários embutidos só por não se identificar com o roteiro, o personagem, o filme…

Real também era seu amor por carros e motos: chegou a ter 100 peças em sua coleção e disputou 19 corridas, em diversas categorias, entre 1959 a 1970. 

 

Sobre o autor

Rodrigo não Mora apenas nos Clássicos. Em sua trajetória no jornalismo automotivo, já passou por Auto+, iG, G1, Folha de S. Paulo e A Tarde - sempre em busca do que os carros têm a dizer. Hoje, reúne todos - clássicos e novos - nas páginas das revistas Carbono UOMO e Ahead Mag e no seu Instagram, @moranoscarros.

Sobre o blog

O blog Mora nos Clássicos contará as grandes histórias sobre as pessoas e os carros do universo antigo mobilista. Nesse percurso, visitará museus, eventos e encontros de automóveis antigos - com um pouco de sorte, dirigirá alguns deles também.