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Coronavírus prende em SP família argentina que roda o mundo há 20 anos

Rodrigo Mora

18/04/2020 05h00

(SÃO PAULO) – "O segredo dos carros de até 1940 é saber andar, não forçar. Chegar nos 60, 70 km/h, que é o ritmo deles. Se não tentar passar disso, com um modelo pré-guerra você vai a qualquer lugar", explica Leonardo Forestieri, da 455 Garage.

É exatamente assim que Herman Zapp tem conduzido seu Graham-Paige 1928 desde 25 de janeiro de 2000, quando ele e a companheira Candelaria começaram a rodar o mundo. "Você tem que ir sem pressa, curtindo a viagem", diz ele. Assim rodaram 400 mil quilômetros e conheceram 116 países. 

Família Zapp no Rio de Janeiro, durante o Carnaval deste ano (Imagem: álbum de família)

Um deles é o Brasil, onde estão há um ano. Entraram pela Guiana Francesa, desceram pelo litoral, desviaram até a Chapada Diamantina, ficaram alguns dias no Rio de Janeiro durante o Carnaval e seguiram até São Paulo. Deveriam permanecer aqui por uma semana antes de partir rumo à Argentina para a festa de aniversário de Candelaria, em maio. Mas já estão há um mês.

O problema foi ter chegado pouco depois do coronavírus.

"Em toda viagem sempre resolvemos na hora o que fazer, onde comer, como fazer dinheiro e tantas outras adaptações. Agora temos o desafio do coronavírus. É uma sensação rara, porque eu sou o dono da minha vida, não o vírus. Mas agora tudo mudou", pondera Herman.

O casal e três filhos estão hospedados no Rusty Barn, uma espécie de comunidade para antigomobilistas localizada em Cotia. Em um mesmo lugar há mecânicos, restauradores, tapeceiro e um lugar para armazenar clássicos que rodam pouco. Ali a família se aboletou até a pandemia arrefecer e permitir que os Zapp sigam para casa.

Na Rusty Barn, em Cotia, o Graham-Paige da família Zapp faz check-up antes de seguir viagem (Imagem: álbum de família)

Mas Herman diz estar em um paraíso. Não só porque Forestieri e o pessoal do Rusty Barn estão dando um trato no Graham, que recebeu funilaria e pintura no para-lama dianteiro, revisão da parte elétrica e reparo nas duas rodas de estepe. Mas pelas amizades construídas em pouco tempo.

"Só realizamos o sonho de rodar o mundo por causa das pessoas maravilhosas que encontramos", reflete Herman.

Família Zapp no litoral brasileiro, rumo a SP (Imagem: álbum de família)

Era só até o Alasca

Quando engataram o namoro, ainda na adolescência, vestir uma mochila nas costas e partir de Buenos Aires para o Alasca virou o sonho do casal Herman e Candelaria.

Adultos, resolveram parar de adiar o sonho juvenil. Provavelmente viajariam combinando transporte público e caronas, o acaso decidiria. Um carro estava fora do roteiro.

Uma guinda no destino aconteceu quando um amigo de Herman o convidou para conhecer um carro antigo, a três meses da partida rumo ao polo oposto. "Nunca tinha tido um carro, e não era o que estávamos procurando no momento. Mas fui ver o automóvel, por pura curiosidade. E me apaixonei. Não pensei que podíamos ir com ele pro Alasca, simplesmente senti que devíamos", relembra Herman, hoje com 51 anos. Candelaria tem 49. 

No começo da viagem, no Alasca; mais três filhos viriam (Imagem: família Zapp)

"A ideia era ir até o Alasca em seis meses, mas demorou três anos", explica ele. Isso porque acabaram visitando outros lugares, dando voltas que não estavam planejadas. "Fomos convidados a ficar na casa de pessoas que conhecemos no meio do caminho". E também porque veio a gravidez do primeiro filho, Pampa, nascido nos EUA. Era preciso se adaptar para seguir em frente com um bebê (que hoje, com 17 anos, mora na Argentina e não viaja mais com a família).  

De volta a Buenos Aires, tiveram Tehue, hoje com 15 anos. Na mesma época nasceu também Atrapa tu sueño, livro escrito pelo casal que narra as aventuras até o Alasca. Foi a receita dele (agora na quinta edição e publicado em cinco idiomas) que deu impulso à próxima jornada, iniciada em 2008.

A família Zapp completa, no Egito (Imagem: família Zapp)

Nesta viagem rumo à América do Norte a família aumentou com a chegada de Paloma, nascida no Canadá. No ano seguinte os quatro foram parar na Austrália, pátria do caçula Wallaby. Já que haviam ido tão longe, por que não conhecer Ásia, África e Europa? 

E assim um carro antigo virou casa e escola ambulante. Os quatro filhos foram educados a partir de um sistema argentino de ensino à distância e tiveram o que nenhum aluno convencional tem: aulas de Geografia e História com o mundo passando pela janela do Graham-Paige. 

A escassez de peças para um modelo tão antigo não intimidou Herman, que aprendeu mecânica na raça. "Se um carro novo quebra longe de casa, você tem um problema com tantas tecnologias. Um antigo qualquer um conserta, é elementar. Já usei todo tipo de gasolina ao redor do mundo, algumas nada puras. Então, se você quer dar uma volta pelo mundo, ter que ter algo básico e simples. E tem que ter estilo", professa Herman.

Foi ele mesmo quem esticou o entre-eixos do Graham em 40 centímetros, a fim de incluir um assento e ampliar o espaço interno depois do segundo filho. Uma barraca montada também por ele no teto pode ser acessada de dentro do veículo. 

Houve alguns intervalos. A cada três ou quatro anos, voltavam para Buenos Aires, como se tirassem férias das férias. Enquanto isso, o Gragam-Paige ficava pelo mundo, sozinho, porque voltar com a família seria caro e demorado. Chegou a se hospedar em oficinas e galpões. O ponto alto foi passar algumas noites no Autoworld, um dos museus mais importantes do mundo, na Bélgica. Reencontrará a Argentina após 12 anos na estrada.

A próxima viagem tem data?

"Quando chegamos à Argentina, seguramente vamos tirar um tempo para descansar e ficar com a família. Mas seguramente faremos outra viagem, que acho que será muito diferente. Mas nunca fomos de planejar. Neste momento estamos viajando, não pensando no futuro", avalia Herman.

"E como você sabe, agora com o coronavírus não dá pra fazer planos", conclui.

(Imagem: álbum de família)

 

 

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Sobre o autor

Rodrigo não Mora apenas nos Clássicos. Em sua trajetória no jornalismo automotivo, já passou por Auto+, iG, G1, Folha de S. Paulo e A Tarde - sempre em busca do que os carros têm a dizer. Hoje, reúne todos - clássicos e novos - nas páginas das revistas Carbono UOMO e Ahead Mag e no seu Instagram, @moranoscarros.

Sobre o blog

O blog Mora nos Clássicos contará as grandes histórias sobre as pessoas e os carros do universo antigo mobilista. Nesse percurso, visitará museus, eventos e encontros de automóveis antigos - com um pouco de sorte, dirigirá alguns deles também.