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Limitações dos elétricos de hoje também mataram Gurgel Itaipu há 45 anos

Rodrigo Mora

16/04/2020 05h00

(SÃO PAULO) – Entre os inúmeros desafios da indústria automobilística mundial, talvez o maior seja a transição para os veículos eletrificados. Abandonar – ou ao menos relegar a coadjuvante – um modelo de negócios de mais de 130 anos, baseado em motores a combustão e toda a cadeia de receitas que o orbitam, e adotar uma nova relação com o carro é complexo, caro e demorado. Mais de uma montadora já admitiu que perde dinheiro a cada elétrico vendido atualmente.

(Imagem: divulgação)

Imagine então quão distante da realidade estava o Itaipu, um microcarro de dois lugares apresentado no Salão do Automóvel de 1974. O nome não poderia ser mais apropriado, ao prestar homenagem à usina hidrelétrica que começara a ser construída no mesmo ano em Foz do Iguaçu, no Paraná. 

Na mente de João Augusto Conrado do Amaral Gurgel, fundador da mais bem-sucedida fabricante brasileira de automóveis, o carro elétrico tinha futuro. Em tese, o Itaipu seria uma alternativa à crise do petróleo, eclodida um ano antes, e à dependência do etanol, estimulada no ano seguinte com a estreia do Programa Nacional do Álcool (Proálcool). Foi o primeiro do tipo na América Latina. 

Determinado a ser o pioneiro da eletrificação veicular no Brasil, Gurgel chegou a estabelecer uma parceria com a Prefeitura de Rio Claro – cidade do interior paulista onde àquela época sua empresa, fundada em 1 de setembro de 1969, tinha uma fábrica – que contemplava a instalação de 14 pontos de recarga para o Itaipu, que se vingasse até uma versão taxi ganharia. Uma frota de 20 exemplares circularia na região a partir de junho de 1975. Não haveria teste mais acurado para um carro elétrico.

João Amaral Gurgel foi uma espécie de versão brasileira de Elon Musk – que, aliás, tinha apenas quatro anos quando o Itaipu apareceu. Centenas de fatores distanciam a Gurgel da Tesla  tecnologias acessíveis, trajetórias individuais, nacionalidades, facilidades e obstáculos geográficos…–, mas o princípio ativo é o mesmo: a aposta na eletrificação. (Que nem é tão nova, considerando que o primeiro híbrido operacional saiu da mente de Ferdinand Porsche, em 1900).

Em comum, Itaipu, Model S e Model Y quase nada têm do ponto de vista técnico. Talvez o conceito, rabiscado numa folha de papel, seja o mesmo: baterias recarregadas na tomada ou em estações dedicadas dão vida a um motor elétrico, que substituiu o convencional a combustão no ato de girar as rodas.

Daí em diante, há um abismo entre o veículo da empresa brasileira e os da norte-americana: autonomia, conforto, desempenho, equipamentos, dimensões.

Nem comparar Gurgel com Musk é prudente – como se sairiam um no lugar do outro?

Como era

Construído em fibra de vidro, dotado de 10 baterias instaladas no assoalho e um motor de 3 kW (aproximadamente 4 cv), o Itaipu pesava cerca de 780 kg, distribuídos em 2,65 m de comprimento (o mesmo que um Volkswagen Virtus tem de entre-eixos). A velocidade máxima não passava dos 60 km/h e até freios regenerativos foram considerados para a versão de produção. 

Custaria ao redor de 23 mil cruzeiros (R$ 57.243, segundo correção do IGP-DI, da FGV), o equivalente a um VW Fusca 1300.

O final da história é uma reprise que se assiste em tempos atuais: autonomia reduzida (estimada em 50 km), escassez de pontos de recarga e tempo de recarga elevado (10 horas) impediram o Itaipu de virar realidade. Apenas 27 protótipos foram construídos.

E-400

O fracasso do Itaipu, contudo, não desanimou Gurgel. Em 1980, a empresa lançava o E-400, um utilitário elétrico que seria vendido exclusivamente a concessionárias estatais de serviço público – sem depender assim de cair nas graças do consumidor. Baseado na picape X-20, tinha 3,82 m de comprimento, pesava 1.470 kg e era capaz de carregar 400 kg ou 500 kg, no caso do E-500. 

(Imagem: divulgação)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

As tímidas vendas do E-400 para empresas como Telebrás e Telesp iludiram Gurgel a montar uma fábrica exclusiva para elétricos, também em Rio Claro, em junho de 1981. Dela sairiam 1.000 veículos a partir de 1982, segundo previsões da empresa.

Ou seja, o que o governo federal fantasia hoje já foi tentado 40 anos atrás.

A empresa chegou a investir no desenvolvimento de uma bateria mais eficaz, formada por chumbo-ácido, e iniciou estudos sobre a viabilidade de um híbrido a etanol.

Contudo, a aventura da Gurgel no mercado de elétricos acabou ali, após cerca de 100 deles comercializados. Já o fim da Gurgel veio em 1994, quando a empresa declarou falência. Com 40 mil veículos vendidos, nunca uma fabricante de veículos nacional chegou tão longe.

 

 

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Sobre o autor

Rodrigo não Mora apenas nos Clássicos. Em sua trajetória no jornalismo automotivo, já passou por Auto+, iG, G1, Folha de S. Paulo e A Tarde - sempre em busca do que os carros têm a dizer. Hoje, reúne todos - clássicos e novos - nas páginas das revistas Carbono UOMO e Ahead Mag e no seu Instagram, @moranoscarros.

Sobre o blog

O blog Mora nos Clássicos contará as grandes histórias sobre as pessoas e os carros do universo antigo mobilista. Nesse percurso, visitará museus, eventos e encontros de automóveis antigos - com um pouco de sorte, dirigirá alguns deles também.