Indústria que hoje combate coronavírus já fez armas e tanques para guerra
Rodrigo Mora
28/03/2020 07h00
(SÃO PAULO) – Na última semana, Boris Johnson pediu e Rolls-Royce e Jaguar Land Rover prometeram ajudar na fabricação de respiradores mecânicos. O sistema de saúde britânico tem cerca de 5,9 mil aparelhos do tipo, e o primeiro-ministro britânico quer multiplicá-los para 20 mil. No Brasil e no exterior, montadoras se unem para amenizar os impactos da crise do novo coronavírus na sociedade mundial.
Contudo, não é a primeira vez que fabricantes de automóveis e motos deixam de lado suas atividades principais e emprestam suas linhas a outros fins.
Durante e Primeira Guerra Mundial (1914 a 1918), Daimler-Mercedes e Benz colocaram à disposição do governo alemão seus esforços para produzir veículos militares, enquanto a Rolls-Royce entregou ao exército britânico motores de avião durante os quatro anos do conflito.
A marca inglesa, inclusive, foi impelida a construir um veículo blindado sobre a base do Silver Ghost, batizado de AFV – Armoured Fighting Vehicle. Cercado por uma armadura e com uma metralhadora no teto, serviu para resgatar prisioneiros ingleses no Egito.
Com cerca de 10 mil carros e comerciais leves produzidos em 1913, a Renault dominava a França antes de "entrar" para a guerra. Pelo fornecimento de caminhões e tanques ao exército de seu país, emergiu do combate com os cofres cheios.
A história da conterrânea Citroën foi um pouco diferente. Até então uma produtora de engrenagens – daí seu símbolo do duplo chevron –, a empresa se converteu em fabricante de obus, uma espécie de morteiro. Quando a guerra acabou, em 1918, contabilizava cerca de 23 milhões de obuses entregues ao exército francês. No ano seguinte mudou novamente de negócios, entrando no ramo de automóveis com o Type A 10CV. A Peugeot também não escapou, contribuindo com armamentos e veículos militares.
Do outro lado do Atlântico, o Ford Model T serviu de base para uma série de veículos militares, além de ambulâncias.
Daí chega a Segunda Guerra Mundial, em 1939. Agora uma empresa só, a Daimler-Benz volta a despachar veículos militares de sua linha produção rumo aos campos de batalha. A Rolls-Royce também viu o destino se repetir com recursos destinados a motores de avião – o que acabou se tornando uma de suas atividades, na verdade. A vizinha Aston Martin ficou com outros componentes aeronáuticos.
A BMW obedeceu ao governo nazista construindo carros, motocicletas e também motores de avião. Isso antes de suas instalações serem quase totalmente arrasadas por bombardeios. Era a estratégia dos aliados para enfraquecer o inimigo: acabar com suas atividades industriais, especialmente as fábricas de carros, que naquele momento produziam de tudo, menos carros.
Nos EUA, a partir de janeiro 1942 não se produzia mais carros para uso civil, e aqueles em estoque eram racionados entre "motoristas essenciais", como trabalhadores da guerra ou médicos. Combustível e pneus também era racionados.
Curioso é que apesar da interrupção na produção de veículos civis, a indústria automotiva seguiu com a publicidade, mas agora enaltecendo suas entregas à guerra. No outono de 1944, o comitê de produção da guerra concedeu permissão a Ford, Chrysler, Nash e GM para começarem a pensar em novos modelos para pós-guerra.
Se a primeira guerra pegou a incipiente indústria automotiva quase crua, o segundo conflito foi melhor abastecido. Tanto que dele (e por causa dele) nasceu um dos carros mais icônicos do planeta.
Sobre o autor
Rodrigo não Mora apenas nos Clássicos. Em sua trajetória no jornalismo automotivo, já passou por Auto+, iG, G1, Folha de S. Paulo e A Tarde - sempre em busca do que os carros têm a dizer. Hoje, reúne todos - clássicos e novos - nas páginas das revistas Carbono UOMO e Ahead Mag e no seu Instagram, @moranoscarros.
Sobre o blog
O blog Mora nos Clássicos contará as grandes histórias sobre as pessoas e os carros do universo antigo mobilista. Nesse percurso, visitará museus, eventos e encontros de automóveis antigos - com um pouco de sorte, dirigirá alguns deles também.