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Se Porsche é "pai" do Fusca, militar inglês é "padrinho" do primeiro VW

Rodrigo Mora

20/01/2019 07h00

Volkswagen Beetle 1938 (Imagem: divulgação)

(SÃO PAULO)Na Alemanha devastada pela Segunda Guerra Mundial, em 1944, a fábrica da Volkswagen construída no final da década de 1930 para produzir seu primeiro automóvel estava igualmente detonada e agora sob domínio norte-americano.

Em frangalhos, a planta de Wolfsburg fora oferecida a fabricantes ingleses, que não se interessaram nem pelas instalações, nem pelo carro. Como acreditar no sucesso de um automóvel que 1) era alemão, 2) era construído sobre um chassis muito simples e 3) tinha motor instalado na traseira?

Sem saída, os ingleses – agora no comando – entregam o destino da Volkswagen e do seu primeiro automóvel ao major Ivan Hirst. "Ninguém me deu uma verdadeira orientação. Só me disseram para ir lá e fazer alguma coisa", certa vez relembrou o oficial do exército britânico.

Volkswagen Beetle 1938 (Imagem: divulgação)

Os primeiros esboços daquele que se tornaria o carro mais popular do mundo remontam a 1932, quando Adolf Hitler (1889-1945) delineia suas primeiras ideias do que deveria ser o "carro do povo": robusto, econômico, barato de produzir e acessível para o povo alemão. Tecnicamente, deveria ser capaz de transportar dois adultos e três crianças a 100 km/h. Em 22 de junho de 1934, o Führer assina um contrato com o projetista Ferdinand Porsche (1875-1951) para o desenvolvimento do veículo. De certo modo, dá para dizer que o Fusca está às vésperas de completar 85 anos.

Claro que Hitler não era o único que vislumbrava o carro do pós-guerra. Renault e Citroën também precisavam alcançar modestos trabalhadores com o 4CV e o 2CV, respectivamente, enquanto na Inglaterra a Morris tinha o mesmo objetivo com o Minor, apresentado em 1948.

Os protótipos desenhados por Porsche e seu braço direito, Erwin Komenda, foram apresentados em 1936. Era inegável que a inspiração viera do carro anteriormente desenhado por Hans Ledwinka, desenhista-chefe da fabricante checa Tatra – o que rendeu um processo contra a VW, vencido pela protestante em 1965.

Esse carrinho da Tatra é o que inspirou Porsche e Komenda (Imagem: divulgação)

De todo modo, as primeiras unidades entram em produção em 1938. Seu nome oficial era KdF-Wagen, sigla de "Kraft durch Freude", que em português seria algo como "força através da alegria". O governo até montou um esquema de poupança: 5 Reichsmarks por semana compravam um selo, colado em uma cartela que, quando completa, era usada para comprar o carro.

Ocorre que a Segunda Guerra Mundial estoura em 1939 e a produção do KdF-Wagen é interrompida, dando lugar a veículos militares, como o anfíbio Schwimmwagen.

Terminada a guerra, uma das opções era destruir o que sobrou da fábrica. Outra era continuar em frente. Hirst decide pela segunda opção e leva o crédito por reorganizar a Volkswagen e pôr a produção – ainda tosca e lenta – em funcionamento. Após conhecer o projeto do agora Type I, reconheceu as virtudes do carro e o apresentou aos seus superiores. No fim das contas, o exército britânico demanda 20.000 unidades do pequeno Volkswagen. Logo a produção alcançava 1.000 unidades por mês.

Foi de Hirst também a ideia do Plattenwagen, o "carro plano". Quando o exército pede que a VW devolva as empilhadeiras que emprestara para movimentar materiais pela fábrica, o major inglês teve a ideia de pegar a base de um Kübelwagen (veículo militar produzido no período da Guerra) e colocar sobre ele, na posição longitudinal, uma chapa plana numa extremidade e, na outra, uma plataforma onde o motorista pudesse sentar e dirigir.

Plattenwagen jamais fora vendido, era apenas para uso interno

Numa das visitas a Wolfsburg para tentar convencer os ingleses a lhe dar uma licença para importar Beetles para a Holanda, o distribuidor de veículos Ben Pon viu a gambiarra de Hirst e decidiu que aquele deveria ser o carro para o empresário holandês – bastando apenas jogar o motorista para a frente. No dia 23 de abril de 1947, Pon mostra a Hirst o esboço do que viria a ser a Kombi, nascida dois anos depois.

Hirst deixa o comando da Volkswagen em janeiro de 1948, entregando o bastão a Heinz Nordhoff, ex-engenheiro da BMW e da Opel responsável por tornar a empresa alemã em uma fabricante estruturada, organizada e lucrativa. O major inglês que salvou a Volks morreu em março de 2000, aos 84 anos.

E no Brasil?

Por aqui, a Volkswagen estreia em 23 de março de 1953, quando começou a montar Fuscas em um galpão na Rua do Manifesto, no bairro paulistano do Ipiranga. O carro vinha desmontado da Alemanha e aqui 12 funcionários juntavam suas peças.

De acordo com a VW, foram 2.268 unidades do Sedan (o nome oficial do Fusca) feitas ali entre 1953 e 1957, ano em que a Volkswagen mudou do modesto galpão para a atual fábrica, às margens da Rodovia Anchieta, em São Bernardo do Campo. O primeiro produto da nova casa foi a Kombi, que ganhou as ruas em 2 de setembro de 1957. Dali, o primeiro Fusca só sairia no dia 3 de janeiro de 1959. 

Contudo, foi a Companhia Distribuidora Geral Brasmotor que importou as primeiras unidades do Fusca e da Kombi, que desembarcaram no Porto de Santos em 11 de setembro de 1950.

Enquanto a produção do Beetle na Alemanha foi até 1980, no Brasil ela se encerrou em 1986 com a Última Série, versão limitada a 850 unidades. Volta a ser produzido em 1993, conciliando uma demanda da indústria por redução de impostos e um desejo pessoal do então presidente Itamar Franco (1930 – 2011), que gostava do carrinho. Em 1996 o Fusca morreu de vez, agora velado pela Série Ouro.

Uma nova geração do Fusca surgiu em 1999, agora batizada de New Beetle, que foi embora em 2010. A terceira encarnação surge em 2012, agora revivendo (no Brasil) o nome Fusca. Assim como a segunda geração, compartilhava plataforma e motores com o Golf. Em setembro do ano passado, encerrou a carreira no México – onde o último Fusca da primeira geração foi produzido, em 2003.

Volkswagen New Beetle

 

 

 

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Sobre o autor

Rodrigo não Mora apenas nos Clássicos. Em sua trajetória no jornalismo automotivo, já passou por Auto+, iG, G1, Folha de S. Paulo e A Tarde - sempre em busca do que os carros têm a dizer. Hoje, reúne todos - clássicos e novos - nas páginas das revistas Carbono UOMO e Ahead Mag e no seu Instagram, @moranoscarros.

Sobre o blog

O blog Mora nos Clássicos contará as grandes histórias sobre as pessoas e os carros do universo antigo mobilista. Nesse percurso, visitará museus, eventos e encontros de automóveis antigos - com um pouco de sorte, dirigirá alguns deles também.