Opala ou Maverick? 911 refrigerado a ar ou a água? Primeiro carro nacional, Romi-Isetta ou Vemaguet? Certas discussões são polêmicas, mas nenhuma tão quanto a da placa preta, por vezes apelidada de "placa treta". Semanas atrás, abordei como seria a chapa de identificação de automóveis de coleção a partir da adoção do padrão Mercosul, em 1^o de setembro.

E relembrei quais os requisitos para obter o Certificado de Originalidade: "veículos de coleção são aqueles com 30 anos de fabricação, 80% de originalidade e conservação e integrantes de um clube associado à Federação Brasileira de Veículos Antigos (FBVA)", dizia trecho do texto.

Eis que alguns leitores se revoltaram. "Espero que haja uma retratação nos mesmos moldes e espaço para o devido esclarecimento do público, pois não posso me calar diante de matéria tão mentirosa e sem embasamento algum. Liberdade de imprensa sim, mas com responsabilidade", chegou a publicar um deles, que assina como "y14rnzplmzl7", não com o próprio nome.

Em nenhum momento afirmei que clubes não associados à FBVA não podem emitir o Certificado de Originalidade, que leva à placa preta. Acho, inclusive, que é saudável que a federação – ou qualquer outra organização – não centralize os processos de certificação. E é o que diz a resolução 56 do Contran, de 21 de maio de 1998, afinal:

Art. 1º São considerados veículos de coleção aqueles que atenderem, cumulativamente, aos seguintes requisitos:

I – ter sido fabricado há mais de vinte anos;

II – conservar suas características originais de fabricação;

III – integrar uma coleção;

IV – apresentar Certificado de Originalidade, reconhecido pelo Departamento Nacional de Trânsito – DENATRAN.

• 1º O Certificado de Originalidade de que trata o inciso IV deste artigo atestará as condições estabelecidas nos seus inciso I a III e será expedido por entidade credenciada e reconhecida pelo DENATRAN de acordo com o modelo Anexo, sendo o documento necessário para o registro.

• 2º A entidade de que trata o parágrafo anterior será pessoa jurídica, sem fins lucrativos, e instituída para a promoção da conservação de automóveis antigos e para a divulgação dessa atividade cultural, de comprovada atuação nesse setor, respondendo pela legitimidade do Certificado que expedir.

• 3º O Certificado de Originalidade, expedido conforme modelo constante do Anexo desta Resolução, é documento necessário para o registro de veículo de coleção no órgão de trânsito.

(Publicada com um erro técnico, a resolução 56 foi corrigida pela 127, que diz: "Art. 1 O inciso I do artigo 1º da Resolução no 56, de 21 de maio de 1998 – CONTRAN, passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 1º I. ter sido fabricado há mais de trinta anos).

Ou seja, clubes certificados pelo Denatran, sem vínculo com a FBVA, têm o mesmo poder legal da entidade. São aproximadamente 40 agremiações nessa condição, ante 202 sob o guarda-chuva da federação.

A questão é que nem todos funcionam como deveriam.

"Quem na verdade está reclamando, muito possivelmente, são os vendedores de placa preta. Infelizmente, por pressões de lobby de pessoas com interesses pessoais, revogaram a resolução 56, que dava exclusividade à FBVA, a única entidade com capacidade técnica e abrangência nacional para emitir os certificados, abrindo pra qualquer CNPJ que se diz clube de carro antigo", afirma o presidente da Federação Brasileira de Veículos Antigos, Roberto Suga.

E por que se compra placas pretas?

Um: em tese, um veículo (carro, moto, caminhão…) que as tenha penduradas nos para-choques é mais valorizado.

Dois, e principal: carros clássicos, com o certificado de originalidade em dia, eram dispensados da inspeção veicular até então.  Daí o pulo do gato: com o comércio de placas pretas, carros velhos, deteriorados e sem condições de rodar decentemente têm na placa preta o álibi para se livrar da quase sempre fatal inspeção veicular.

Só que os clássicos voltarão a ser inspecionados, já que os Detrans terão até 31 de dezembro de 2019 para colocar em prática a verificação, batizada de "Programa de Inspeção Técnica Veicular". Há até quem tente organizar um abaixo-assinado contra.

Natural que o presidente da FBVA defenda a entidade, mas o fato é que a sua estrutura é realmente mais abrangente e paramentada. "Já fui presidente de clube, e sei que a gente recebe uma grande diversidade de marcas, modelos e anos para analisar. E mesmo com vistoriadores experientes, não temos conhecimento de tudo, das originalidades, das características de cada modelo. Quando isso acontece, o clube manda o processo para uma comissão técnica da FBVA, que consegue minimizar quaisquer dúvidas sobre a capacidade do veículo", exemplifica Suga.

Foi por conta do esforço da FBVA, por exemplo, que o Denatran (Departamento Nacional de Trânsito) acabou com o absurdo da vistoria online, na qual o proprietário mandava uma foto do seu carro candidato a clássico para o "clube", alguém do outro lado do Whatsapp "analisava" as condições do veículo e comprovava suas duvidosas credenciais.

"A fim de certificar a segurança dos veículos antigos de coleção se faz necessário averiguar o pleno funcionamento dos equipamentos de segurança, bem como sua fabricação, condições estas que não capazes de serem atestadas por meio de vistoria remota. Assim, informo que o exame de originalidade de veículos antigos de coleção deve ser realizado de forma presencial pelas empresas credenciadas por este Departamento Nacional de Trânsito, ficando os certificados eventualmente emitidos com base em vistorias remotas declarados nulos de pleno direito", informa o ofício expedido pelo Denatran, de 20 de fevereiro.

Óbvio que não dá para generalizar. Existem clubes e entidades idôneos fora do guarda-chuva da FBVA. O problema é que não usamos mais de uma mão para contá-los.