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Mora nos Clássicos

Relembre os carros que marcaram a inauguração de Brasília, há 60 anos

Rodrigo Mora

21/04/2020 08h20

(SÃO PAULO) – Para contar a história da fundação de Brasília, ocorrida em 21 de abril de 1960, é obrigatório passar pela Caravana da Integração Nacional.

Tratou-se de uma viagem bolada pelo major José Edson Perpétuo para enaltecer a engatinhante indústria automobilística nacional, formalizada quatro anos antes pelo GEIA (Grupo Executivo da Indústria Automobilística), órgão responsável pelos estímulos à produção local.

Procedentes dos quatro cantos do Brasil, 130 veículos invadiram em fevereiro de 1960 aquela que se tornaria a capital do país dali a dois meses. Só modelos nacionais puderam participar.  

Nenhum teve o protagonismo da Romi-Isetta, veículo escolhido pelo então Presidente da República Juscelino Kubitschek para desfilar pela Esplanada dos Ministérios. Foram 25 exemplares, cujos donos formavam o Clube dos Proprietários de Romi-Isetta, vindos de São Paulo. "Melhor eu ir em pé aqui", disse JK no instante em que entrou no diminuto modelo, que contava com um largo teto retrátil. 

(Imagem: divulgação)

Concebida pelo projetista de aviões Ermenegildo Pretti, a Isetta foi lançada na Itália em 1953. Com 2,25 m de comprimento, 1,40 m de largura e 300 kg, lhe bastava um pequeno motor bicilíndrico de 236 cilindradas e 9,5 cv para desbravar as estreitas ruas italianas no pós-guerra.

Em junho de 1955, o industrial Américo Emílio Romi e seu enteado, Carlos Chiti, viajaram à Itália para negociar com a Iso os direitos de licença para produzir o modelo no Brasil. Até então uma bem-sucedida produtora de tornos mecânicos localizada em Santa Bárbara d'Oeste (SP), a Romi se tornaria também fabricantes de automóveis.

O primeiro Romi-Isetta ficou pronto em 30 de junho de 1956. Chassis 56001, combinando as cores creme e vermelho e com pneus com faixa branca. Tinha como destino a Industrial de Óleos Nordeste. Era levemente diferente do modelo italiano, medindo 2,28 m de comprimento e 1,38 m de largura e pesando 350 kg. Até 1958 o motor era da Iso; de 1959 a 1961 adorou um BMW, de 298 cm3 e 13 cv.

(Imagem: Murilo Góes/UOL)

Fusca, Kombi, DKW e Simca

Como é de se supor, não faltaram os primeiros Volkswagens fabricados por aqui. A Kombi havia saído da então nova fábrica da Volkswagen, em São Bernardo do Campo (SP), em 2 de setembro de 1957. Sem muitas alterações seguiu até 1976, quando avançou à segunda geração (o que na Alemanha, seu país de origem, havia ocorrido nove anos antes) e ganhou o apelido "Clipper".

T2 estreou na Alemanha em 1967; no Brasil, a Kombi Clipper apareceu só em 1976 e foi até 2013, com a versão Last Edition (Imagem: divulgação)

A obrigatoriedade de freios antiblocantes (ABS) e dos airbags frontais para todos os automóveis produzidos a partir de 1 de janeiro de 2014 interrompeu a entrada da Kombi na terceira idade. Então com 56 anos de produção nacional (fora os sete de importação), ganhou a versão Last Edition, que marcaria seu fim com 600 unidades para colecionadores dispostos a pagar R$ 85 mil.

Não poderia ter sido mais desastroso, pois duplicaram a produção de um exemplar limitado e, no fim das contas, a Last Edition não tinha nada de última: como se vê no acervo da marca, a última Kombi é Standard, branca e básica.

Já o Fusca estava por aqui desde setembro de 1950, quando as primeiras unidades desembarcaram no Porto de Santos importadas pela Brasmotor – que, a partir de janeiro do ano seguinte, passou a recebê-los desmontados (no esquema CKD) e montava-os aqui.

(Imagem: divulgação)

Em 1953, a coluninha central do vidro traseiro desapareceu e logo veio o apelido "oval". Com esse visual o Fusca inaugurou a manufatura da Volkswagen no Brasil, em 23 de março daquele ano. Num galpão na Rua do Manifesto, no bairro paulistano do Ipiranga, doze operários montavam o carro, que chegava da Alemanha desmembrado.

Da fábrica da Anchieta, o Fusca só sairia em janeiro de 1959. E dela se despediria pela primeira vez em 1986, marcado pela versão Última Série. Voltaria em 1993 e daria adeus definitivo em 1996 com a Série Ouro.

(Imagem: divulgação)

Não foi imagem comum como Fuscas, Kombis e Romi-Isettas, mas também apareceram por lá picapes da Chevrolet. Instalada no Brasil desde 26 de janeiro de 1925, a General Motors apresentou em 1948 a família Advance Design. Alinha à matriz nos EUA, adotava as mesmas divisões de linhas produtos: Loadmaster abarcava os pesados e Thriftmaster reunia picapes e furgões médios, como os modelos 3100, 3600 e 3800 – esta última versão a do clube, equipada com um motor seis-cilindros de 3.549 cm3 e 92 cv.

Quase inteiramente importado, o carro era apenas montado aqui. Uma reestilização, que levou o apelido "Boca de Sapo" a dar lugar ao "Boca de Bagre", veio em 1954. Já a nacionalização foi apenas em 1958, em março com o caminhão 6503 e em julho com a picape 3100 Brasil. No final de 1960, o SUV Amazona incrementaria a linha com três fileiras de bancos e porta-malas de 580 litros.

(Imagem: Murilo Góes/UOL)

Também se viram alguns modelos da DKW, uma das marcas que formaram a Auto Union. A empresa chegara ao Brasil por meio da Vemag (Veículos e Máquinas Agrícolas S.A.), que desde 1945 montava e distribuía carros da americana Studebaker e os caminhões suecos da Scania, além de máquinas agrícolas.

O primeiro nacional foi a perua F-91 Universal, conhecida como Vemaguet, nascida em novembro de 1956 – o que leva a uma discussão polêmica sobre ter sido ela, e não a Romi-Isetta, o primeiro carro fabricado no Brasil. Seu motor de três cilindros tinha 900 cm³. O fim da Vemag foi melancólico. Com dívidas, a empresa foi comprada em 1967 pela Volks, que em seguida encerrou a produção tanto da perua quanto do sedã Belcar.

Repare no símbolo da grade deste DKW que fica no museu da Audi, em Ingolstadt (Imagem: Rodrigo Mora)

Aqueles com a vida financeira abençoada apareceram de Simca Chambord, modelo lançado em 1959. Era um luxuoso sedã de ascendência francesa e estilo imitador dos carros americanos. Motores V8 são sinônimo de força, mas não no caso do Chambord, que tinha fracos 84 cv. A tração era traseira e o câmbio automático tinha três marchas.

(Imagem: divulgação)

Mas causava boa impressão e tinha certo espaço interno dentro dos seus 4,75 m de comprimento. Havia certos elementos conectados à ideia de luxo, como interior bicolor.

A Simca ainda se multiplicou com os modelos Présidence, Jangada, Alvorada, Esplanada e Regente, mas teve vida curta: já sob comando da Chrysler, desapareceu em 1967.

Willys Rural (Imagem: divulgação)

Culminando em Brasília, a caravana vinha dos quatro cantos do país. Isso quer dizer que muitos enfrentaram estradas ainda em construção, quando não quase intransitáveis. O que não era problema para quem vinha com os Willys Jeep e Rural.

Ao lado da Ford e da Bantam, a Willys-Overland foi uma das fornecedoras de Jeeps para o exército norte-americano durante a Segunda Guerra Mundial.

Instalada no Brasil desde meados da década de 1950, a empresa montava aqui os Jeeps em sua versão civil e também o SUV Rural, que trazia a mesma mecânica do jipe, porém com tração 4×2 ou 4×4 e carroceria de aço fechada de duas portas e seis lugares. O motor era um seis-cilindros de 2,6 litros.

Outros modelos vieram depois, como Aero-Willys, Dauphine, Interlagos e Gordini, além de atualizações nos utilitários – a Rural seguiu até 1977, enquanto o Jeep foi fabricado até 1982. Em 1968, a Ford assumiu o controle da Willys no Brasil. 

Sobre o autor

Rodrigo não Mora apenas nos Clássicos. Em sua trajetória no jornalismo automotivo, já passou por Auto+, iG, G1, Folha de S. Paulo e A Tarde - sempre em busca do que os carros têm a dizer. Hoje, reúne todos - clássicos e novos - nas páginas das revistas Carbono UOMO e Ahead Mag e no seu Instagram, @moranoscarros.

Sobre o blog

O blog Mora nos Clássicos contará as grandes histórias sobre as pessoas e os carros do universo antigo mobilista. Nesse percurso, visitará museus, eventos e encontros de automóveis antigos - com um pouco de sorte, dirigirá alguns deles também.