Retrospectiva 2019: Porsche e Volkswagen protagonizaram o antigomobilismo
(SÃO PAULO) – Com os carros e as histórias que têm, Porsche e Volkswagen dominaram a cena do antigomobilismo. A primeira lá fora, a segunda por aqui.
Os 10 anos do museu da Porsche foi a menor das comemorações. Mais importante foram os 50 anos do 914, um dos mais polêmicos carros da marca. Revelado durante o Salão de Frankfurt de 1969, o 914 nasceu justamente de uma parceria entre Volkswagen e Porsche A primeira buscava um substituto para o Karmann Ghia Type 34, enquanto a segunda precisava de um esportivo acessível no lugar do 912, um 911 com motor de quatro cilindros.
Projetado pela Porsche, construído pela Karmann e com motor da Volkswagen, o 914 ainda era vendido numa rede conjunta de concessionárias. Nos EUA, levava apenas o emblema da marca de luxo. Na Europa, os logotipos se juntavam, o que incendiava a polêmica.
Outro cinquentenário foi o do 917, talvez um dos cinco mais importantes carros de corrida da história. Sua estreia foi durante o Salão de Genebra de 1969, com a mira apontada para as 24 Horas de Le Mans (vencida em 1970 e 1971) e para o Campeonato Mundial de Marcas. O chassis número 001 foi o primeiro de 25 exemplares construídos para atender aos requisitos de homologação, servindo como carro de apresentação – e restaurado pela marca no ano que se despede.
Há vinte anos, a Porsche apresentava a primeira geração do 911 GT3, carro que, nas palavras da própria marca, eliminou "de uma vez por todas a divisão entre pistas de corridas e estradas".
A Porsche ainda prometeu edições especiais do 911 inspiradas em modelos lançados entre os anos 1950 e 1980 e anunciou o relançamento de mais de 700 manuais de proprietário originais de clássicos como 356 e as primeiras gerações do 911. (Manuais de proprietário foram também o tema de uma exposição no Miau).
Porsches foram igualmente protagonistas quando o co-fundador do WhatsApp, Jan Koum, notou que lhe faltava tempo e espaço na garagem e colocou dez modelos de sua coleção à venda, entre eles os raros Carrera RS Lightweight 1992 e 918 Spyder Weissach Pack. Ou quando o comediante norte-americano Jerry Seinfeld foi acusado de ter vendido um 356 A 1500 GS/GT Carrera Speedster supostamente falso.
Mas um modelo da fabricante alemã também protagonizou um dos maiores fiascos em leilões. Único sobrevivente de três exemplares planejados, o Type 64 1939 deveria ter sido arrematado por US$ 20 milhões, mas uma confusão do leiloeiro fez os interessados desistirem do carro, que voltou para casa sem um novo dono.
PROTÓTIPOS, ELÉTRICOS E ACERVOS
Quanto à Volkswagen, 2019 começou com o Gol GTi completando 30 anos. A apresentação do primeiro carro nacional com injeção eletrônica havia sido no Salão do Automóvel do ano anterior, mas a estreia oficial foi no dia 23 de janeiro do ano seguinte. Foram apenas 2.000 unidades produzidas em 1989.
Pintado na mítica cor Azul Mônaco, o Gol GTi e seu motor 2.0 de 120 cavalos e 18,4 kgfm de torque (brutos) foram as estrelas do evento – que ainda teve os Chevrolet Monza EFI e Veraneio como destaques. Dados do fabricante registravam velocidade máxima de 185 km/h e 0 a 100 km/h em 8,8 segundos, números impressionantes para a época.
E a Kombi que apareceu no Festival de Woodstock e que instantaneamente virou um dos símbolos do evento da contracultura (realizado entre 15 e 17 de agosto de 1969 numa fazenda de Bethel, a cerca de 160 quilômetros de Nova York) ganhou uma réplica após o artista Bob Hieronimus e o documentarista John Wesley Chisholm desistirem de encontrar o carro original – no caso, um modelo Standard 1963.
Falando em Kombi, a marca prometeu que está nos planos eletrificar uma, depois de ter apresentado o e-Beetle, um Fusca elétrico que se destacou no último Salão de Frankfurt usando a base do e-Up, já vendido na Europa.
Algo similar fez a Renault com o e-Plein Air, uma releitura eletrificada do 4L. A diferença é que este não passa, por ora, de um ensaio, enquanto o carro da Volkswagen já é realidade.
Quem não gostou dessa história de carro antigo elétrico foi a Fédération Internationale des Véhicules Anciens. "A conversão de um motor original a combustão para um elétrico não está de acordo com a definição do que é um veículo histórico para a FIVA. Na visão da entidade, veículos assim convertidos deixam de ser históricos. Não é, em nossa opinião, a forma ou o estilo de um veículo que o torna histórico, mas a maneira pela qual todo o veículo foi construído e fabricado em sua forma original", contestou a organização há poucos meses.
Mas o que emocionou os fãs de Volkswagen no Brasil foi o acervo, enfim revelado oficialmente, mantido pela empresa na planta da Anchieta. São atualmente 98 exemplares guardados, entre eles a última Kombi, o último Fusca e carros que não passaram da fase de protótipo, como o BY e o VEMP.
Acervo igualmente rico é o construído pela FCA em Mirafiori, na Itália. Num prédio restaurado que outrora abrigou linhas de produção, o Heritage HUB reúne em 15 mil metros quadrados mais de 250 veículos históricos das marcas italianas (Fiat, Lancia, Abarth e Alfa Romeo) que formam o conglomerado da Fiat Chrysler Automobiles. Deu uma disfarçada no silêncio da Fiat sobre seus 120 anos, completados em 1 de julho.
ANIVERSÁRIOS
Também não comemorou aniversário a Ford do Brasil, desde 1919 por aqui. De fato não foi um ano para celebrações, pois sua fábrica de São Bernardo do Campo fechou. O que não deixa de ter um significado para o antigomobilismo, pois de lá saíram não apenas Corcel, Maverick e Del Rey, mas também modelos como Jeep CJ-5, Rural, Aero-Willys, Itamaraty, Interlagos, Dauphine e Gordini – além dos filhos da Autolatina Apollo, Logus e Pointer, nada mais do que Escorts com símbolo da Volkswagen.
Coube a um Mustang não deixar 2019 passar em branco: um Shelby GT500 1967 foi leiloado por US$ 2,2 milhões, se tornando o Mustang mais caro do mundo. O que fez este exemplar ser tão cobiçado é o fato de ser o único GT500 Super Snake do mundo – uma versão ainda mais esportiva do cupê, cujo preço de US$ 8.000 o impediu de entrar em produção.
Mustang, aliás, que completou 55 anos – como bem me lembrou o amigo Fernando Calmon, da coluna Alta Roda. Apresentado no dia 17 de abril de 1964, em Nova York, partia de US$ 2.368 e seu nome remetia ao P-51 Mustang, avião usado na Segunda Guerra Mundial. A versão mais esportiva do modelo chega em 1965: o Shelby GT350 carrega um motor V8 de 310 cv. No ano seguinte, o Mustang ultrapassa a marca de 1.000.000 de unidades vendidas.
A General Motors é outra que tinha o que comemorar, mas "esqueceu" dos 30 anos do Kadett no Brasil. Curiosamente, a primeira placa preta de 2019 foi para um Opala, assim como em 2018.
Quem não ignorou sua história foi a Citroën, que realizou um belíssimo evento no Parque do Ibirapuera, em junho, para comemorar seus 100 anos. Sem um acervo próprio por aqui, a marca recorreu a colecionadores para reunir ícones como 2CV, DS e Traction Avant. Eu mesmo nunca havia dirigido um DS, mas pude ter o gostinho, ainda que por poucos quilômetros, de como são incrivelmente confortáveis seu banco e sua suspensão.
Enquanto empresas mais ricas sequer soltaram um comunicado relembrando datas comemorativas, a Citroën montou no parque uma apresentação e tanto, com direito a desmontagem e montagem ao vivo de um 2CV. E mais: encomendou a restauração de um Traction Avant para marcar o centenário mundial.
Outros aniversariantes foram o Golf, que chegou aos 45 anos, o sexagenário Mini e o Fiat Uno, que chegou aos 35. E a Lexus, departamento de luxo da Toyota, completou 30 anos.
RESTAUROS E CONSERTOS
Por falar em Toyota, a marca japonesa lançou o GR Heritage Parts Project, cuja missão é prover peças de reposição para as terceira e quarta gerações do Supra, conhecidas pelos fãs pelos codinomes A70 e A80, respectivamente.
Jaguar e Lancia também escutaram colecionadores órfãos de peças. A marca inglesa relançou o kit de ferramentas que acompanhava cada E-Type Série 1 e Série 2 entre 1961 e 1971, recorrendo a gabaritos para redesenhar alicates e chaves de fenda na exata especificação original.
A italiana voltou a manufaturar os para-choques do Delta Integrale, construídos com o uso de quatro peças do ferramental original, que foram encontradas abandonadas na fábrica de San Benigno. O par sai pelo equivalente a R$ 12 mil.
Achou caro? Então que tal pagar £ 6 milhões (cerca de R$ 30 milhões) por um dos 19 DB4 GT Zagato Continuation restaurados? Pelo menos você leva um DBS GT Zagato de brinde.
Até recall de carro antigo teve em 2019. A BMW convocou proprietários dos modelos 530i, 530i Touring, 540i e 540i Touring para substituir o módulo geral por uma versão atualizada, a fim de evitar um possível travamento involuntário das portas. No mesmo chamado, a marca convidou donos de Série 7 da geração E38 para dar uma olhada no cubo da roda traseira, que corria o risco de quebrar.
Mas a BMW também fez coisas mais divertidas no ano passado, como reconstruir dois modelos históricos. Primeiro foi o Garmisch, protótipo desenhado pelo estúdio Bertone que estreou no Salão de Genebra de 1970. O problema é que depois do evento o protótipo – cujo nome remete à estação de esqui Garmisch-Partenkirch, na Alemanha – desapareceu, sobrando dele apenas esboços e imagens no arquivo do estúdio Bertone.
Adrian van Hooydonk, hoje vice-presidente de design da BMW, se deparou com uma foto do Garmisch há alguns anos e decidiu redesenhar o modelo. Para tanto, escalou equipes de design e do BMW Classic para dar início aos processos de pesquisa e produção. Como os documentos originais da BMW Garmisch eram escassos, os designers e historiadores tiveram que refazer cada detalhe do exterior e do interior do carro a partir de uma pequena seleção de imagens de período, a maioria disponível apenas em preto e branco.
Tempos depois, foi a vez de resgatarem um MLE. Em meados dos anos 1970, a BMW da África do Sul decidiu se lançar nas corridas. Preparou, então, dois exemplares da primeira geração do Série 5 para competir no Modified Production Series. O 530 Motorsport Limited Edition (MLE) estreou em 1976 e foi arrebatador: 15 vitórias em 15 corridas na primeira temporada do campeonato sul-africano. Quando se aposentou, em 1985, o 530 MLE era o Série 5 de corrida mais vitorioso na história.
Foram 110 unidades do 530 MLE produzidas em 1976 e outras 117 no ano seguinte. O motor era um 3.0 seis-cilindros de 200 cv, capaz de levar o sedã aos 100 km/h em 9,3 segundos. A maioria dos carros se perdeu, mas a BMW achou um deles, o de número 100.
EVENTOS
Dois chamaram atenção: o 1º encontro de clássicos no Museu Catavento e a primeira edição do Históricos de São Paulo que, segundo a organização, reuniu cerca de 1.500 veículos no que a Prefeitura chama de Triângulo SP, região que compreende o Theatro Municipal, o Largo São Francisco, a Praça da Sé, o Pateo do Collegio e o Largo São Bento.
E durante a Autoclasica, principal evento de carros antigos da América Latina, um Delage D8 1932 e uma motocicleta BMW R17 1936 levaram o prêmio "Best of Show".
RARIDADES
Em março, durante o Salão de Genebra, a Hispano-Suiza revelou a primeira imagem do Carmen, um carro elétrico – projetado pela QEV Technologies, fornecedora de tecnologia para a Mahindra na Formula-E – com visual retrô que marcou o retorno da fabricante espanhola, notória por seus modelos de luxo feitos entre 1904 e 1968.
E uma réplica do Aérolithe foi construída.
Entre os clássicos de corrida, destaque foi o Williams-Renault FW14B pilotado por Nigel Mansell na temporada de 1992 da Fórmula 1 arrematado por £ 2.703.000, equivalente a R$ 13 milhões, em leilão realizado em Goodwood.
O evento inglês foi inclusive uma das realizações do blog, que em 2019 também visitou o Woodward Dream Cruise, dirigiu um Fiat 147 "Cachacinha", um Plymouth Belvedere 1967 envenenado pela Mopar e um Santana Executivo de uso da engenharia da Volkswagen. Sem falar no primeiro rali, estreando como piloto e depois navegando.
2019 foi um ano e tanto. Que venha 2020!
(Matéria atualizada em 29 de dezembro, às 16h38).
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