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Mora nos Clássicos

Raro Type 64 passa de Porsche mais caro da história a fiasco em leilão

Rodrigo Mora

19/08/2019 08h20

Expectativa era arrecadar US$ 20 milhões com Type 64, mas leilão virou piada (Imagem: RM Sotheby's/divulgação)

(SÃO PAULO) – Um cupê de linhas incomuns, feito artesanalmente sobre um chassi e com motor de Fusca tinha tudo para se tornar o Porsche mais caro da história em um leilão realizado pela RM Sotheby's no Monterey Car Week, na Califórnia (EUA), realizado no último sábado (17).

O Type 64 1939 foi o único sobrevivente de três exemplares planejados. A expectativa era que o carro fosse arrematado por US$ 20 milhões, ou aproximadamente R$ 80 milhões. Assim, ele bateria o recorde do 917 K vendido em 2017 por US$ 14.080.000. Só que não foi isso que aconteceu.

O fiasco começou quando colecionadores discordaram da alcunha de "primeiro Porsche da história", até porque o veículo surgiu quando a Porsche sequer existia – a empresa foi fundada em 1948.

A poeira nem havia baixado quando outro imprevisto "manchou" a imagem do Type 64.  O mestre de cerimônias do evento anunciou um lance inicial de US$ 30 milhões (cerca de R$ 120 milhões, muito superior à estimativa inicial da RM Sotheby's), mas o valor indicado no telão foi ainda maior: US$ 70 milhões (ou algo em torno de R$ 280 milhões).

Diante da reação pouco amistosa dos convidados, a organização se apressou em corrigir os valores para US$ 13 milhões e US$ 17 milhões, respectivamente. Os lances, porém, não ultrapassaram os US$ 17 milhões, valor considerado baixo demais pelo proprietário do Type 64. E assim o raro esportivo não foi vendido.

O público formado por milionários colecionadores saiu do local revoltado e chamando o evento de "uma grande piada". Procurados pela agência de notícias Bloomberg, representantes da RM Sotheby's não quiseram comentar sobre o fiasco. Este vídeo – compartilhado gentilmente pelo amigo Maurício Marx – mostra o momento em que a oferta é encerrada:

O esportivo do nazismo

O Type 64 nasceu em 1939 para disputar uma corrida de 1.500 quilômetros entre Berlim e Roma, que pretendia marcar na história a construção do recém-inaugurado sistema de autobahns, orgulho do governo de nazista.

Como Ferdinand Porsche já havia desenhado o Fusca – então batizado de KdF-Wagen – a pedido de Adolf Hitler, uma versão esportiva baseada nele naturalmente saiu das mãos do engenheiro austríaco.

(Imagem: RM Sotheby's/divulgação)

A carroceria então foi refeita. Construída não mais em aço e sim em um tipo de alumínio usado na aviação, ficou mais leve e também mais aerodinâmica. O motor original, de 985 cc e 25 cv, recebeu dupla carburação, válvulas maiores e maior taxa de compressão para saltar a 1.1 litro e 33 cv, capazes de levar o Type 64 aos 130 km/h de velocidade máxima.

O carro ficou pronto em agosto. Marcada para setembro, a corrida foi cancelada após a eclosão da Segunda Guerra Mundial.

Na condição de propriedade da Volkswagen, então uma estatal alemã, o primeiro Type 64, chassi número 38/41, virou o carro de uso do chefe da Frente de Trabalho Alemã, que em pouco tempo destruiu o veículo em um acidente.

(Imagem: RM Sotheby's/divulgação)

"Em uma reunião de diretoria no final de setembro de 1939, Ferry Porsche propôs que a empresa continuasse construindo os segundo e terceiro exemplares planejados para testes e experimentações, apesar do cancelamento da corrida. Assim, e assim o número dois foi concluído três meses depois. Este carro certamente sofreu o destino mais vergonhoso quando, nos estágios minguantes da guerra, foi requisitado por membros da divisão "Rainbow" do Sétimo Exército dos EUA, que cortou o teto e levou o "cabriolet" à morte após usarem o carro até o motor explodir", conta a RM Sotheby's.

Em junho de 1940, a terceira carroceria ficou pronta, porém jamais fora montada sobre um chassis. Simultaneamente, o número 1 voltou para as mãos de Ferdinand Porsche, que tratou de consertar usá-lo como seu carro pessoal.

Terminada a guerra, Ferdinand foi preso pelas autoridades francesa e Ferry, seu filho, assumiu o Type 64 – e também a empresa, prestes a trocar o status de consultoria de engenharia para fabricante de automóveis.

(Imagem: RM Sotheby's/divulgação)

"Em 1947, com o Type 64 precisando de alguma atenção como o transporte pessoal de Ferry e o rosto da jovem empresa, decidiu-se por atualizar a carroceria, tarefa confiada a ninguém menos que Pinin Farina. Após o motor ser reconstruído, acredita-se que Ferry estampou o nome da Porsche no capô do carro", completa a casa de leilão.

"Sem o Type 64, não haveria 356, 550 ou 911. Esta é a história de origem da Porsche, o carro que deu origem à lenda da empresa", resume Marcus Görig, da RM Sotheby's, responsável pelo leilão. "Esse é o mais historicamente significante Porsche e é simplesmente inacreditável que estejam preservadas suas condições originais", completa seu colega Andy Prill.

Mas o Type 64 ficou pouco tempo com Ferry, que concordou em vendê-lo para o piloto e empresário Otto Mathé, em 1949. Na década de 1960, a Porsche até tentou reaver o carro, sem sucesso. No fim das contas, o Type 64 acabou sendo vendido após a morte de Mathé e trocou de mãos pela última vez em 2008.

Deveria ter trocado novamente agora, mas…

(Imagem: RM Sotheby's/divulgação)

Sobre o autor

Rodrigo não Mora apenas nos Clássicos. Em sua trajetória no jornalismo automotivo, já passou por Auto+, iG, G1, Folha de S. Paulo e A Tarde - sempre em busca do que os carros têm a dizer. Hoje, reúne todos - clássicos e novos - nas páginas das revistas Carbono UOMO e Ahead Mag e no seu Instagram, @moranoscarros.

Sobre o blog

O blog Mora nos Clássicos contará as grandes histórias sobre as pessoas e os carros do universo antigo mobilista. Nesse percurso, visitará museus, eventos e encontros de automóveis antigos - com um pouco de sorte, dirigirá alguns deles também.