Topo

Mora nos Clássicos

Esquecidos em fazendas ou quintais, "barn finds" podem valer milhões

Rodrigo Mora

28/04/2018 08h00

Barn Find é um termo muito específico do mundo dos automóveis clássicos, categorizando aqueles carros abandonados em celeiros (daí o nome), fazendas, sítios, quiçá em quintais. Geralmente são acompanhados por grandes histórias – divórcios, mortes e esquecimentos predominam – e há quem viva de caça-los. Diga barn find numa roda de colecionadores e todos vão lhe dar atenção.

Há centenas de casos. Um dos mais fabulosos aconteceu com a Land Rover.

Neste que é o ano de seu 70o aniversário, a marca inglesa vai restaurar um Series I, o modelo que deu início à sua história – e que mais tarde viria a ser rebatizado de Defender, hoje um ícone da empresa.

Series I apresentado no Salão de Amsterdam se perdeu no tempo, mas agora será restaurado (Foto: divulgação)

Mas não é qualquer Series I, e sim um dos três que foram exibidos no Salão de Amsterdam de 1948, quando a empresa fez sua estreia mundial. Ninguém sabe o destino desse jipe depois do evento, mas descobriu-se que seus últimos passos foram dados nos anos 1960. E que depois disso ele ficou abandonado num campo por 20 anos, até ser comprado por alguém que planejava restaura-lo. Novamente esquecido, foi definhando num jardim a poucos quilômetros de Solihull, coincidentemente a cidade onde fora produzido décadas atrás. Enfim, foi resgatado pela Land Rover.

Segundo Tim Hannig, diretor da Jaguar Land Rover Classic, "este Land Rover é uma peça insubstituível da história automotiva mundial e é tão importante quanto o 'Huey', o primeiro Land Rover de pré-produção. Começar a sua restauração aqui na Classic Works, onde podemos garantir que ele seja montado de forma precisa exatamente como deve ser, é uma maneira apropriada de começar o 70º aniversário".

A Audi também tem um barn find para chamar de seu. Em 1953, engenheiros da DKW (uma das marcas que formam as quatro argolas da Auto Union, empresa formada em 1932 que mais tarde culminaria na Audi) foram solicitados a atender uma demanda interna: criar uma limusine para Richard Bruhn, então principal diretor da empresa. Pegaram o último Horch (uma das outras quatro argolas) 830 BL fabricado e adaptaram às necessidades do chefe, o que incluía um vidro que dividia o motorista dos passageiros de trás e um motor 3.8 V8 de 92 cv.

Horch 830 BL não será restaurado, mantendo marcas da sua trajetória (Foto: Rodrigo Mora)

Mais tarde, um soldado norte-americano alocado na Alemanha comprou o carro e o levou para casa, no Texas. (Não se sabe por quanto tempo Bruhn ficou com seu Horch customizado e por que se desfez dele). Viveriam bons momentos se o câmbio não tivesse quebrado, e trabalho que daria importar as peças desanimou o soldado, que abandonou o carro.

Daí entra na história Al Wilson, um sujeito que pagou US$ 500 pelo Horch esquecido sob sol e chuva e bateu na porta da Audi, em Ingolstadt, para devolver o carro à empresa. Ninguém lá na Alemanha conhecia o carro e Wilson desistiu.

Tempos depois, seus filhos retomaram a pesquisa sobre aquele Horch 830 BL tomado por ferrugem e chegaram ao responsável pelo acervo do Audi Tradition – museu da marca onde o veículo repousa hoje, exatamente como resgatado do Texas.

Existe também a história da Ferrari 365 GTB/4 Daytona encontrada num galpão no Japão. Em 1969 a Ferrari produziu cinco carros com carroceria de alumínio feita pela Scaglietti para seu programa de competição. Eram as 365 GTB/4 Competizione. Sabe-se lá como, uma delas virou um carro de rua, à época adquirido por Luciano Conti, amigo de Enzo Ferrari.

Após passar pelas mãos de outros dois proprietários italianos, a Daytona Berlinetta Alloy foi parar no Japão, onde teve dois novos donos até chegar à garagem de Makoto Takai, onde ficou guardada por 37 anos. No fim do ano passado, foi leiloada pela RM Sotheby's por € 1,81 milhão (cerca de R$ 7,6 milhões).

Após 37 anos de abandono, essa Ferrari foi restaurada e leiloada (RM Sotheby's/divulgação)

É claro que há barn finds no Brasil também. Um dos casos ais notórios rolou em 2014, quando um caçador de raridades descobriu uma chácara em São José dos Campos abarrotada de carros nacionais dos anos 70 e 80 – Chevette, Fusca, DKW Candango, entre outros.

Um dos últimos barn finds foi revelado em fevereiro. Segundo o site Autoweek, a história começa em dezembro de 1971, quando um agricultor de Villisca (Iowa, EUA) achou simpático aquele BMW 328 que ele nunca tinha visto e decidiu compra-lo. O roadster alemão foi rebocado direto para o celeiro da fazenda, e espremido entre enxadas e facões ficou lá esquecido.

Quarenta e cinco anos depois, o tal fazendeiro decidiu se livrar daquele monte de ferrugem e recorreu a dois colecionadores locais. Dereck Freshour e Heath Rodney toparam levar o BMW para casa, mas mal sabiam quem era de fato aquele 328.

Acabaram descobrindo que aquela era uma das 61 versões de competição do 328, que de 1937 a 1940 teve 464 unidades fabricadas. Mais: aquele exemplar disputou as 24 Horas de Le Mans de 1937 e correu na edição de 1938 da Mille Miglia. Atualmente, os donos estão planejando como será a restauração.

Lá fora, exemplares semelhantes a esse foram leiloados recentemente por mais de R$ 1 milhão.

 

Sobre o autor

Rodrigo não Mora apenas nos Clássicos. Em sua trajetória no jornalismo automotivo, já passou por Auto+, iG, G1, Folha de S. Paulo e A Tarde - sempre em busca do que os carros têm a dizer. Hoje, reúne todos - clássicos e novos - nas páginas das revistas Carbono UOMO e Ahead Mag e no seu Instagram, @moranoscarros.

Sobre o blog

O blog Mora nos Clássicos contará as grandes histórias sobre as pessoas e os carros do universo antigo mobilista. Nesse percurso, visitará museus, eventos e encontros de automóveis antigos - com um pouco de sorte, dirigirá alguns deles também.